O professor Francisco Spadoni fala sobre o arquiteto que ajudou a estabelecer as bases da arquitetura moderna em nosso país
Reconhecidamente um dos maiores nomes do modernismo brasileiro, Paulo Mendes da Rocha é um arquiteto e urbanista cuja obra segue surpreendendo, mesmo com o passar do tempo. Ele se destacou na carreira muito cedo, aos 29 anos, vencendo um concurso para o Ginásio do Clube Atlético Paulistano, projeto que lhe valeu o Grande Prêmio Presidência da República na 6ª Bienal Internacional de São Paulo, no início dos anos 1960. A partir desse momento, passou a integrar o grupo que foi chamado de “escola paulista” de arquitetura, liderado por Vilanova Artigas.
“Entre as principais características de Paulo Mendes da Rocha se destaca o predomínio do raciocínio estrutural nos projetos, ou seja, suas obras são pensadas como uma estrutura, antes de se constituírem numa forma”, aponta Francisco Spadoni, arquiteto e professor da FAU/USP. “Destaca-se, ainda, a clareza com que elabora os espaços, sempre resolvendo situações complexas com um mínimo de elementos; a opção pelo uso do material em estado bruto, o que retira o caráter ornamental da obra – embora, com o tempo, tenha se tornado uma linguagem própria; e a radicalidade com que resolve a relação entre a obra e os lugares.”
De acordo com Spadoni, o legado de Paulo Mendes da Rocha não se limitou ao modernismo brasileiro, embora o arquiteto seja um de seus expoentes. Ele pertenceu à segunda geração de nosso movimento moderno, aquele que se constituiu em São Paulo no final da década de 1950 e que ocorreu como uma sequência do movimento original, fundador, que se deu no Rio de Janeiro a partir dos anos 1940. “Esse movimento de São Paulo foi muito marcante nas escolas brasileiras e na formação de arquitetos das gerações posteriores, apesar de menos reconhecido internacionalmente do que a primeira geração – que contava, entre outros, com os arquitetos Oscar Niemeyer e Affonso Reidy, além de Lúcio Costa, seu idealizador”, explica o professor.
Nesse contexto, Spadoni acredita que o trabalho de Paulo Mendes da Rocha teve maior impacto inicialmente no Brasil e apenas mais tarde no exterior, em decorrência de seus prêmios – em especial o Pritzker Prize (considerado o Nobel da arquitetura), que recebeu em 2006, já com 78 anos. “Sua obra, no plano internacional, foi uma descoberta tardia para o mundo, e a partir daí passou a ser estudada”, afirma.
Embora o reconhecimento tenha ocorrido apenas recentemente, são das décadas de 1960, 1970 e 1980 os principais projetos de Paulo Mendes da Rocha. “Sua primeira grande obra e, até hoje, umas das mais relevantes, é o projeto do Ginásio do Clube Paulistano, de 1958, onde, ainda muito jovem, ele projetou uma estrutura altamente complexa, de grande inteligência construtiva”, observa Spadoni. “Entre várias outras, destaco mais duas, em particular: o Pavilhão do Brasil na Osaka Expo ’70, onde projetou uma grande estrutura em concreto armado, que repousava em um solo artificial com muita leveza, e o Estádio Serra Dourada, em Goiânia, por sua relação com o entorno.”
Outros projetos importantes de Paulo Mendes da Rocha são o edifício residencial Guaimbê, a própria residência do arquiteto, no Butantã, o Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado (com Artigas e Fábio Penteado) e o Museu Brasileiro da Escultura – MuBE, este também vencedor de um concurso. Já contando com reconhecimento público de seu trabalho, Paulo Mendes realizou os projetos do pórtico da Praça do Patriarca, a reforma da Pinacoteca do Estado de São Paulo e o Centro Cultural da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – Fiesp.
Com um olhar mais aprofundado para seu conjunto de obra, é possível perceber que o legado de Paulo Mendes tem como principais destaques prédios institucionais, ainda que também tenha trabalhado em projetos residenciais e até mesmo em design de mobiliário. “Sua produção residencial foi muito expressiva. Embora não possa precisar, talvez seja o tema que mais veio à sua mesa de trabalho. Ele também fez alguns trabalhos de design, como a sua famosa cadeira e um belo conjunto de móveis para o Sesc 24 de Maio, que foram disponibilizados para serem utilizados por outros arquitetos”, conta Spadoni.
Segundo o professor, as obras institucionais tendem a ser as mais marcantes na vida de um arquiteto; com Paulo Mendes da Rocha, não foi diferente. “São trabalhos de maior dimensão, normalmente públicos e com temas que envolvem grande número de usuários. É a parcela mais visível de sua produção. Mas ele também trabalhou com o mercado, como a Loja Forma, um bonito projeto do início dos anos 1990, e realizou projetos de apartamentos, sendo alguns clássicos”, salienta.
Vale ressaltar que Paulo Mendes também foi professor na FAU/USP durante cerca de duas décadas, até sua aposentadoria, em 1998. Além do prêmio Pritzker, o arquiteto foi reconhecido com a Sala Especial Mendes da Rocha na 10ª Documenta de Kassel, na Alemanha, em 1997, e com o Prêmio Mies van der Rohe de Arquitetura Latino-Americana, em 2000. Sua obra permanece indiscutivelmente relevante no panorama contemporâneo da arquitetura brasileira, pelo modo como ele traduziu a relação entre técnica e pensamento em seus projetos. Nas palavras do próprio Paulo Mendes da Rocha: “Quando o arquiteto risca no papel uma anotação formal, um croqui, está convocando todo o saber necessário, mecânica dos fluidos, mecânica dos solos, máquinas e cálculos que sabe que existem para fazer aquilo. Não se trata de fantasias, mas uma forma peculiar de mobilizar o conhecimento, o modo arquitetônico.”