Projetos de restauração como o Cidade Matarazzo ajudam a manter viva a nossa história, cultura e arquitetura
Instalado na região da Avenida Paulista, no início do século passado, o complexo do Hospital Umberto I (mais conhecido como Hospital Matarazzo) poderia ser mais um patrimônio histórico de São Paulo destinado às ruínas. São três as principais estruturas protegidas por tombamento: o hospital em si (um conjunto de seis pavilhões, o primeiro deles inaugurado em 1904), a Maternidade Condessa Filomena Matarazzo (de 1943) e a Capela Santa Luzia (1922). Há quem pense que seria mais prático simplesmente construir novos prédios, ao invés de despender recursos e enfrentar processos burocráticos para restaurar esses bens, porém a conservação da arquitetura e da história de edifícios como esses diz respeito à nossa memória e à sensação de pertencimento das pessoas ao espaço urbano.
“A preservação do patrimônio é importante para a preservação das raízes e da identidade de um povo”, explica Filipa Beiroco, diretora de comunicação do Cidade Matarazzo, empreendimento do Groupe Allard que busca não apenas restaurar e preservar esse inestimável patrimônio histórico da capital paulista, como dar a ele novos usos. “O Hospital Matarazzo conta a história de um imigrante italiano, que veio para São Paulo em busca de melhor qualidade de vida, como tantos outros imigrantes vindos da Europa, do Japão ou dos países árabes na mesma época. Mas o Conde Francesco Matarazzo teve um destino mais surpreendente: ele se tornou o maior industrialista do mundo, somando mais de 200 empresas. Como contribuição à sociedade, pelo seu grande sucesso, decidiu construir um hospital e uma maternidade, com a missão de oferecer saúde de qualidade para todos. Mais de meio milhão de paulistanos nasceram na Maternidade Condessa Filomena e, durante muitos anos, esse foi considerado um dos melhores hospitais de São Paulo – um enorme legado para a cidade.”
De acordo com o restaurador Francisco Zorzete, da Companhia de Restauro, o trabalho de restauração de um edifício se faz necessário quando o patrimônio histórico não foi conservado adequadamente. Trata-se de uma forma de salvaguardar sua história e seu legado, que são passados de geração a geração – o que vale não somente para o patrimônio construído, ou seja, a arquitetura e as obras de arte, mas também o patrimônio natural e cultural, dentro do qual estão valores intangíveis. “É possível e também necessário restaurar um bem tombado adaptando-o às demandas da contemporaneidade e dando a ele novos usos. Só podemos preservar o patrimônio com o uso. Isso inclui projetos de acessibilidade, logística e segurança”, observa o especialista.
Cidade Matarazzo: um modelo bem-sucedido
Desde sua concepção, o Cidade Matarazzo foi idealizado pelo Groupe Allard com enorme respeito ao patrimônio histórico e natural de São Paulo. O projeto combina hospitalidade, varejo, gastronomia, cultura e entretenimento, no maior parque privado da cidade, com árvores centenárias e flora tropical. As construções modernas buscam dialogar com os prédios tombados, criando uma união entre as diferentes épocas, tudo isso em perfeita sintonia com o meio ambiente. De acordo com Filipa, a natureza foi o elemento de integração entre os edifícios antigos e os novos. Tanto a Torre Mata Atlântica, de Jean Nouvel, como o Edifício Ayahuasca, cuja fachada de cipós em concreto é obra de Rudy Ricciotti, nascem de reflexões sobre a rica e exuberante natureza do Brasil, sobre a importância de sua preservação e recuperação.
Por ser, atualmente, o maior projeto de preservação e revitalização de um conjunto arquitetônico tombado no Brasil, Zorzete considera o Cidade Matarazzo uma iniciativa importantíssima. “Sua relevância reside tanto no resgate da memória e da história daquele lugar quanto em sua revitalização, permitindo a fruição e a vivência, a convivência da sociedade com esse espaço, que há muito tempo estava fechado e quase abandonado. O projeto irá tornar o complexo novamente acessível às pessoas”, comenta o restaurador.
Segundo a diretora de comunicação do empreendimento, o conceito visionário do complexo já previa, de certo modo, as transformações que estamos vivenciando na atualidade. “A tecnologia é parte fundamental do projeto, permitindo facilitar as diferentes conexões entre produtores, mercado, produtos, serviços e clientes, e criar uma comunidade viva. A experiência única do Cidade Matarazzo se inicia no espaço físico e é extrapolada através do digital. Tudo se integra de forma harmoniosa e seamless (livre, orgânica): o passado, o presente e o futuro, o contemporâneo e o histórico, o físico e o digital, o real e o imaginário”, salienta Filipa.
A proposta, conforme destaca a diretora de comunicação, é mostrar a outros empreendedores que é possível trazer novos usos para os edifícios tombados e criar uma reciclagem urbana, ao mesmo tempo em que se preserva sua história. “Além disso, nossa grande obra de restauro abre caminhos para uma nova visão dos órgãos de preservação, que até aqui optavam por soluções mais conservadoras”, diz.
Desafios da restauração
Para Zorzete, o grande desafio da restauração de imóveis tombados, principalmente em metrópoles como São Paulo, é dar visibilidade a esses projetos, o que só acontece por meio da disseminação do conhecimento e da conscientização das pessoas sobre o valor do patrimônio histórico. “Existe o ônus (tombamento) e o bônus (os incentivos), mas ninguém conhece os mecanismos que podem viabilizar o restauro e as leis de incentivo não têm aplicabilidade. O poder público deveria informar melhor, orientar e apoiar os proprietários dos bens tombados”, ressalta.
O restaurador acrescenta que é possível, inclusive, usar a restauração para aumentar o potencial construtivo de um empreendimento imobiliário. “Existe uma legislação, a Transferência do Direito de Construir (TDC), que permite ao proprietário de um bem tombado, ao restaurar ou conservar sua propriedade, transferir para outro local – ou mesmo vender – o potencial construtivo de seu lote”, explica Zorzete. No entanto, o especialista lamenta que esses incentivos para viabilizar o restauro em nosso país ainda sejam desconhecidas pela maioria da população.
Mesmo para o setor privado, quando se deseja investir na restauração e adaptação de bens tombados para novos usos, ainda existem diversos entraves. “Nenhum empreendimento dessa magnitude se faz se não tiver viabilidade econômica”, salienta Filipa, sobre o Cidade Matarazzo. “Os desafios foram inúmeros: burocracia intensa, tempo de aprovação dos projetos, questões de engenharia nunca antes vistas para a preservação dos edifícios históricos, e também na construção da Torre Mata Atlântica, que terá a implantação de árvores de mais de 15 m de altura sobre algumas de suas lajes. São mais de 10 anos de trabalho, de investimento e de enorme perseverança.”
Todo esse esforço já tem gerado bons frutos, com a gradual concretização de cada uma das fases do empreendimento. A conclusão da primeira fase, que deve acontecer até o final de 2021, inclui o Hotel Rosewood São Paulo, as suítes privativas na Torre Mata Atlântica, o edifício corporativo e a Capela. Já a segunda fase, o Retail Village, que compreende o centro cultural e espaços dedicados a gastronomia, moda e beleza, está prevista para o final de 2022 e início de 2023.
Para seus idealizadores, o projeto já nasceu bem sucedido. “O sucesso do Matarazzo está no seu conceito inovador, que reúne patrimônio histórico, grandes nomes da arquitetura mundial, consciência sustentável e criatividade em um ambiente que oferece diferentes atividades: o Hotel Rosewood São Paulo, com projeto de Jean Nouvel e interiores de Philippe Starck; o edifício corporativo com fachada de Rudy Ricciotti; a Casa Bradesco da Criatividade, nosso centro cultural, onde convidaremos os melhores artistas do Brasil e do mundo; um conceito de gastronomia 100% sustentável; moda, beleza e muito mais. Também plantamos mais de 10 mil árvores em um parque, que será aberto a todos.”
Filipa observa que, idealmente, o trabalho de preservação e recuperação do patrimônio deve ser fruto de um esforço conjunto da iniciativa pública e privada. “No Brasil, sabemos que Estados e governos, ainda que tenham interesse, não têm recursos, capital e humano, para fazê-lo. A iniciativa privada pode ajudar em muito – com eficiência, mobilização, estratégia, recursos. Vejo duas possibilidades de melhorias: melhorar os processos burocráticos e os tempos de aprovação para atrair investimentos privados em edifícios históricos; e construir modelos público-privados em que não se antagonizem as partes e sejam criados projetos de real cooperação. Ultrapassamos muitas barreiras no processo de construção do Cidade Matarazzo, o que me dá esperança e otimismo de que é possível – mas existe um longo caminho a ser percorrido”, conclui.
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