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As tendências de comportamento pós-pandemia

Falamos com a cientista comportamental Flávia Lippi sobre os desafios da quarentena, as consequências do isolamento social e a importância do autocuidado

 

Entre as transformações no mundo todo, provocadas pela pandemia do Covid-19, as mudanças no comportamento humano talvez tenham sido as mais evidentes. Hábitos de higiene precisaram ser revistos, interações sociais foram significativamente reduzidas. O impacto da quarentena em nossas vidas foi enorme, tanto emocionalmente quanto financeiramente. Mas qual será o saldo dessa crise, quando a situação se normalizar?

Conversamos sobre essas mudanças com a cientista de comportamento Flávia Lippi, pós-graduada na área de saúde e comunicação, em Biopsicologia e comunicação com o mercado. Tendo como base a ideia de que os problemas e as soluções nascem do mesmo âmbito (corpo – mente – sociedade), a pesquisadora estuda as condições físico-químicas que motivam o indivíduo a mudar. Em sua visão, levar a Sustentabilidade Humana para o mundo dos negócios é identificar e assumir limitações, enfrentar ao invés de negar e buscar a eliminação de dinâmicas tóxicas.

Para Flávia, o isolamento social não foi necessariamente um problema. “Preciso confessar que me relacionar não é a coisa mais fácil do mundo. Sou capaz de ficar sem falar com pessoas por semanas. Isso não é nenhuma vantagem, apenas a conclusão de que gosto de minha própria companhia”, explica. O que ela percebeu, no entanto, foi que muita gente não estava sendo capaz de lidar com a quarentena de maneira tão saudável. “Fiz uma pequena pesquisa para entender as pessoas e poder ajudá-las. As maiores dificuldades que me relataram foram depressão, medo, ansiedade, convivência familiar, convivência com os filhos e tecnologia todo o tempo.”

Segundo a especialista, a pandemia trouxe algumas mudanças, porém muitas delas temporárias. “Como cientista comportamental, a biologia do comportamento é o que mais me motiva. Vou listar algumas percepções e explicar a relação com nosso cérebro… A música passou a fazer parte das nossas vidas, inclusive pela janela. Ela fazia antes, mas por que será que não fazia tanta falta para muitas pessoas e passou a ser valorizada? Os cantores nas janelas, as músicas nos alto falantes, as lives com músicos famosos. Pesquisas mostram que, quando cantamos juntos, nosso cérebro social é ativado para produzir ocitocina. Esse é um hormônio cerebral intimamente ligado à maneira como os humanos se socializam.”

Flávia cita o cientista Pedro Camargo, seu professor em neuromarketing, para explicar por que as pessoas teimam em sair de casa durante o isolamento social: “Mesmo tendo consciência do comportamento correto, a motivação é biológica e nem sempre racional. Toda vez que animais sentem a aproximação do perigo, eles se juntam em grupos, em bandos (pássaros, zebras, peixes… humanos). Então, temos aí duas forças: a consciência da importância do isolamento versus os instintos de agrupamento para proteção. O que parece incoerente para as ciências sociais é muito lógico para a biologia.”

Traços comportamentais como esse, que faziam sentido em eras passadas, causam problemas na era moderna. Afinal, comportamentos como a falta de autoconhecimento e autoconsciência, no caso de uma pandemia como a do Covid-19, trazem consequências não apenas individuais, mas coletivas. Por isso, para Flávia, o desenvolvimento de human skills (habilidades humanas) é uma necessidade urgente. “O mundo está ficando cada vez mais complexo, e as pessoas não se dão conta de quão ignorantes são. Nós estamos passando por um desafio cognitivo e este certamente é o maior ‘bug do milênio’ ou da vida.”

 

 

O que esperar daqui para a frente?

De acordo com Flávia, os líderes do futuro serão justamente aqueles que souberem desenvolver autoconsciência e autoconhecimento. A pesquisadora acredita que a maioria das pessoas não irá, de fato, mudar. Para ela, este momento terá um efeito do tipo “mês de Natal”: as pessoas sorriem, se desejam felicidade, rezam para ter mais compaixão e fraternidade no mundo… Mas, na primeira irritação, não hesitam em se ofender ou ferir. “O termo ‘evoluir’ não é um privilégio e não significa, somente, o crescer e desenvolver dos seres em início de vida. Mas permite entender que o homem evolui até o fim de sua existência – desde que ele continue a trabalhar suas potencialidades. Os grupos humanos, da mesma forma, evoluem, de acordo com seus objetivos.”

Para estudar a evolução tanto individual quando de grupos, é preciso empregar diversas óticas de compreensão. “O que não se pode perder de vista jamais é que o estudo parcial da conduta não possibilita a compreensão do todo”, ressalta Flávia. “Eu tento explicar este fenômeno assim: imagine uma corrida de cavalos. Existe um início, um meio e um fim. Todos esses momentos têm sua história e podem ser observados de ângulos diferentes. A posição dos observadores será sempre diferente. Dependendo do ângulo de visualização, eles parecem acompanhar corridas diferentes. Além da posição, cada observador – ou assistente – está ali por razões diferentes. Alguns têm seus cavalos competindo, outros são apostadores e muitos outros assistem por motivos diversos. Cada um deles terá uma visão e vivência especial do evento. Se formos achar um número, talvez 1% da população mundial modifique seus comportamentos, pensamentos e sentimentos.”

Uma das transformações que deve permanecer, no entanto, é o fato de que tanto o trabalho quanto o consumo e o entretenimento estão se tornando cada vez mais digitais. Segundo Flávia, há perdas e ganhos nisso. “Para toda mudança, sempre vai haver algo que não gostaríamos de perder, mas do qual temos que abrir mão. Nós já somos digitais há bastante tempo. O que difere neste momento é a necessidade absoluta da tecnologia e o entendimento de muita coisa que já existia e que a gente não se dava conta – por exemplo, inteligência artificial e gamification.”

Para ilustrar o conceito de gamification, a especialista cita os aplicativos de bancos. Para ela, é maravilhoso ter a tecnologia para evitar filas, mas também é ruim não ter um gerente que a conhece há vários anos, com quem possa tomar um cafezinho e pedir alguma ajuda que os recursos tecnológicos não possam dar. De acordo com Flávia, já tínhamos programas avançados de inteligência artificial em 2018, inclusive com tecnologia de dados para reconhecer sentimentos, emoções e dores. Por isso, se pensarmos em como será o mundo em 2050, veremos que os processos de digitalização já se iniciaram há muito tempo. Agora, essas mudanças são positivas ou negativas? “Temos que rever nossos conceitos de bom e ruim e nos adequarmos àquilo que nos agrada, preservando o que não precisa mudar”, observa a pesquisadora.

 

Libertando-se do estresse

Em seu Instagram, um dos temas mais populares abordados por Flávia Lippi é o da “Quarentena sem estresse”. Para aqueles que buscam uma vida mais consciente e livre de ansiedades, as recomendações da cientista comportamental são:

1 – Evite o scrolling (ler todas as notícias o tempo todo). Se você já sabe como se prevenir contra o coronavírus e como agir em caso de contágio, sabe tudo o que precisa. Apenas siga as instruções de segurança.

2 – Não fique off. Ao invés de mandar mensagens, ligue, fale e ouça a voz da outra pessoa. Faça Facetime ou Zoom. Precisamos ver uns aos outros. Em termos emocionais, isso é extremamente importante.

3 – Pratique o self-care (autocuidado). Uma das coisas mais importantes da maturidade é cuidar de si mesmo. Nesse sentido, alguns aspectos práticos podem ajudar a aumentar sua imunidade:

  • Alimentos – Aumente os antioxidantes, adicionando à alimentação frutas ricas em vitamina C, frutas vermelhas, chocolate amargo, alcachofra, café, feijão, chá verde, maçã, tomate e folhas verde escuras. Acrescente mais alho, fibras e probióticos.
  • Sistema cognitivo – Faça exercícios físicos. Na sala de casa, coloque um aplicativo de ginástica, yoga e meditação e pratique no mínimo 30 minutos por dia.
  • Hábitos – Durma. Aumente sua capacidade de cuidar do sono, pois é ele que melhora a produção de citocinas anti-inflamatórias. Reduza ou elimine álcool e doces, principais redutores dos glóbulos brancos (que nos conferem células imunes).
  • Suplementos para reforço imunológico – Vitaminas C e D, glutamina, zinco, echinacea.

4 – Evite o “efeito manada”. Um indivíduo pode ser influenciado por um grupo a agir de maneira diferente do que pensa, por medo de ser excluído. Quando você começa a sentir solidão, como se tudo o que está acontecendo nas redes fosse algo de que deveria fazer parte e não fez, já está sendo arrastado pela “manada” e sofrendo, pensando no que os outros vão pensar de você. Normalmente, o cérebro filtra as informações que chegam ao córtex; mas, sob estresse, esse sistema se afrouxa e favorece a tomada de decisões erradas. Meditar, manter-se calmo e tranquilo, são atitudes que diminuem a suscetibilidade a manobras de manipulação.

5 – Aprenda a se manter desestressado. Pessoas saudáveis têm maior senso de controle sobre si mesmas. Quem vive em uma “montanha-russa” de muita tensão, pouco sono, álcool ou drogas, fica exposto às mais diversas influências negativas.

  • Cuide da saúde, evite todos os excessos e aumente a imunidade.
  • Cultive a experiência. Estar em casa traz benefícios: observe tudo à sua volta e saia da internet. Afinal, no escritório, você não fica conectado 24 horas.
  • Estimule a criatividade. Se tem criança em casa, desenhe ou brinque com ela. Estabeleça curiosidades, sem impactar no trabalho home office, mas aproveitando a oportunidade de convivência.
  • Apegue-se. Crie rotinas para ligar para seus familiares e falar com eles ou vê-los. Ligue para amigos, colegas. Faça um happy hour.
  • Não reencaminhe mensagens. A cada leitura, pare e pense sobre a fonte daquela informação e o que realmente você pode fazer individualmente.
  • Tenha uma educação diversificada, termine os cursos online que começou e faça outros. Crie novas perspectivas.
  • Tome cuidado em momentos difíceis: o medo nos faz cair em armadilhas. Identifique as causas do seu medo.
  • Ajude quem precisa. Deixe seu telefone disponível para quem quiser conversar, quem está assustado ou com muito medo do que vai acontecer daqui para a frente. Seja um ombro seguro.

 

Recentemente, Flávia Lippi participou de uma de nossas lives no Instagram, com o tema “Mudamos ou não mudamos depois da quarentena?”

Vale a pena conferir:

 

 

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