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O que aprendemos com a solitude

Com o isolamento social, é como se tivéssemos uma desafiadora travessia a fazer, cada um em seu próprio barco

 

O período de quarentena, por conta da pandemia do Covid-19, obrigou muitas pessoas a lidarem consigo mesmas, além de reavaliarem os relacionamentos com os familiares ou parceiros com quem dividem seu espaço. O isolamento social acabou se revelando uma oportunidade única: todo esse tempo em casa permitiu uma reflexão sobre como podemos transformar o sentimento de solidão em solitude.

“A solitude é você ficar bem consigo mesmo, é se conhecer”, explica o velejador Beto Pandiani, que percorreu mais de 60 mil quilômetros em um camaratã sem cabine. “Nós, que vivemos em cidades grandes, sempre dentro de corporações, com a agenda apertadíssima de compromissos, normalmente nos colocamos em último lugar da fila. É muito comum que não tenhamos tempo para refletir, ficar sozinhos e descobrir quem somos. Isso é fundamental.”

Para Beto, a questão não é o que as pessoas fazem com o tempo, mas o que elas fazem consigo mesmas diante do tempo. “O tempo é como uma força te empurrando para um precipício, onde você vai ser obrigado a se conhecer. Esse precipício é um lugar escondido dentro da gente, que poucos acessam, mas que neste momento estamos sendo obrigados a acender uma luz e conhecer”, acrescenta.

 

Lições do mar

Segundo Beto, sua experiência no barco à vela permite uma associação muito natural com o momento que estamos vivendo. Ele escolheu um barco pequeno, sem cabine, em que não poderia levar tudo o que normalmente caberia em um veleiro (que tem cama, banheiro, eletricidade e aparelhos eletrônicos, água e comida à vontade, além de muito espaço). “Meu barco não tem nada disso. Então, o que aprendi com essa vida espartana, por assim dizer, é ser um bom gestor de riscos e de recursos”, conta o velejador. “Quando saio para uma viagem, eu tenho que escolher o básico e o essencial.”

Nesse contexto, Beto faz um paralelo com o momento estamos vivendo, em que precisamos colocar como prioridade as nossas necessidades e esquecer um pouco dos desejos, dos caprichos ou das coisas que não são tão importantes, das quais podemos abrir mão – seja um comportamento ou um hábito de consumo desnecessário. Ou seja, a avaliação dos recursos, em situações de crise, precisa ser um pouco mais inteligente.

De acordo com o velejador, as lições do mar são muitas, mas ele se concentra em um aprendizado essencial: é preciso mudar nosso paradigma com relação ao que é imponderável. A pandemia e a crise entraram em nossas vidas, para a maioria das pessoas, de maneira não violenta, mas assustadora e trazendo incertezas. “Eu não entendo isso de forma negativa. Seria a mesma coisa que falar que uma tempestade se aproximando de forma inesperada no mar é um castigo. Ela é uma situação difícil, mas, com todos os apuros que passei no mar, todas as dificuldades, quebras, dias de mau tempo, descobri dentro de mim uma resiliência muito grande, uma capacidade maior do que imaginava de encontrar recursos que eu nem acreditava que tivesse.”

O que a tempestade traz, segundo Beto, é uma oportunidade única de cada pessoa descobrir dentro de si capacidades e habilidades que nunca seriam acessadas se não acontecesse algo dessa natureza e magnitude. “Esta é uma oportunidade de desenvolvimento pessoal sem igual, como nunca vimos. Traz questões como solidariedade, espírito comum, olhar para o outro… Mas a questão principal é acionar aquilo que você tem de melhor e que até então era desconhecido, que só uma tempestade pode trazer à tona.”

 

Disciplina como base

Para superar todos os obstáculos que já enfrentou pelo caminho, Beto acredita que a disciplina seja o início de tudo, a base da pirâmide. “Acho que não existe nenhuma realização no mundo que não envolva disciplina”, observa. De acordo com ele, as redes sociais e todas as plataformas de relacionamento e comunicação, com tanta informação e desinformação, tudo isso acaba nos distraindo e fazendo com que percamos muito tempo. “Quando você vê, passou uma hora. Então, é importante ter disciplina e criar rotinas.”

Beto lembra que, nas viagens através do Pacífico e do Atlântico, as jornadas eram longas e muitas vezes sem nenhuma referência no meio do oceano. “Uma travessia de 4 mil quilômetros, em mar aberto, dia e noite sem parar, envolve velejar 20 dias seguidos. Encontramos nossa motivação criando uma série de rotinas e também metas, para a gente ter disciplina. Uma coisa que nos ajudou muito foi colocar pontos no GPS: a cada 500 milhas que a gente alcançava, comemorávamos.”

Ao alcançar cada pequena meta, Beto e seu parceiro de viagem também faziam uma análise de como estava o lado emocional. “Depois de um mês, você olha para si mesmo e fala: olha, eu consegui ficar um mês. Então, se estou aqui inteiro, consigo ficar mais um mês. Essa é uma maneira de criar motivação e de manter o que você se propôs a fazer”, ressalta.

 

Em paz com a quarentena

Por conta de sua vasta experiência como velejador, Beto afirma que tem lidado bem com a quarentena. “Fico muito bem sozinho, em espaços restritos. Fiz muitas viagens longas, sempre em barcos pequenos, sem cabine, com recursos reduzidos. Então, tenho a sensação de que me preparei a vida toda para momentos como este que estamos vivendo”, comenta. “O que mais sinto falta é o mar, a natureza… Acho que todos nós que vivemos na cidade sentimos essa falta de integração. E os nossos finais de semana foram embora, porque os dias estão todos iguais…”

Para quem está isolado em casa com outras pessoas, Beto cita suas vivências para deixar uma recomendação: o cuidado com o próximo. “Nós atravessamos o Pacífico e o Atlântico, eu e o Igor Belli, um cuidando do outro, olhando para as necessidades do outro. Quando um dos dois estava com a energia mais baixa, mais cansado, o outro apoiava, fazia um turno extra. No momento em que você ajuda seu companheiro, a sua autoestima aumenta, você se sente útil e importante. A outra pessoa, que é acolhida, sente segurança. Essa combinação gera cumplicidade, o que fortalece as relações. É muito mais simples quando a gente sai da posição de ego e passa a ver em que pode contribuir para melhorar a equipe.”

O grande desafio, segundo o velejador, é manter o equilíbrio emocional. “Um aprendizado que eu tive no mar é não criar expectativas. O barco à vela anda sempre com o vento – e a gente sabe que o vento é muito inconstante, nem sempre podemos chegar no prazo que estipulamos, porque as condições oscilam. Então, já estou acostumado a não ter expectativas em relação ao tempo”, conta. Nesse sentido, Beto acredita que projetar o final da crise em uma data anunciada é uma armadilha, porque gera ansiedade. “É arriscado porque, se a situação muda, emocionalmente você fica muito abalado.” Ou seja, podemos olhar para esta tempestade como o que ela é: algo passageiro, mas uma parte essencial do caminho.

 

A live que fizemos com Beto Pandiani ainda está disponível em nosso canal do YouTube. Vale a pena conferir:

 

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