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Arquitetura corporativa pós-pandemia

Conversamos com o arquiteto Sergio Athié sobre as tendências e as novas funções dos espaços nos escritórios, com o retorno gradual das atividades presenciais

 

Sergio Athié, arquiteto e sócio fundador da Athié | Wonhrath

A flexibilização da quarentena e o início da retomada das atividades presenciais por alguns setores trouxeram uma questão que merece cuidado: a adequação dos ambientes corporativos à “nova realidade” que estamos vivendo, para garantir a segurança e também o bem-estar das pessoas que ocupam esses espaços.

Para o arquiteto Sergio Athié, sócio fundador da Athié | Wonhrath, essa transição deve acontecer em dois momentos. “Em um primeiro momento, temos as mudanças que serão necessárias do ponto de vista de segurança e higiene. São coisas mais simples, como alternar mesas ou tirar algumas cadeiras das salas de reuniões”, explica.

Após esses procedimentos que Athié chama de retomada, quando a pandemia já estiver mais controlada e os escritórios gradualmente voltarem a funcionar, ele acredita que virá uma fase de mudanças mais estratégicas. “Muitas das empresas que nem tinham políticas de home office, a partir da pandemia estão vendo que a prática funciona e que eventualmente poderão implementar essas políticas. O que estamos recomendando para nossos clientes não é simplesmente devolver espaços, mas fazer uma troca de espaços”, sugere o arquiteto.

De acordo com Athié, como os escritórios serão ocupados por um volume menor de pessoas diariamente, parte do espaço – onde antes estavam estações de trabalho, por exemplo – poderá ser utilizado como outro tipo de ambiente, para acelerar a comunicação digital, como salas equipadas com tecnologia que permita reuniões virtuais mais realistas. Espaços de alimentação também tendem a ser mais valorizados, segundo o arquiteto, com modificações que tragam para o ambiente corporativo um pouco da experiência que tivemos no home office. “Será preciso criar um ambiente mais acolhedor, que remeta ao espaço de casa, justamente para atrair os colaboradores ao escritório e tornar sua jornada de trabalho melhor.”

 

Novas formas de trabalhar

No mundo pós-pandemia, o futuro do ambiente corporativo pode ser se tornar um local de encontro e troca de ideias, enquanto o trabalho que exige concentração será realizado em home office. “Teremos uma multiplicidade de espaços que atendam ao que a pessoa vai fazer no escritório, já que provavelmente os trabalhos individuais serão feitos de forma remota, em casa. A ideia da experiência na empresa será de colaborar com os colegas e interagir (ainda que virtualmente) com clientes e fornecedores”, observa Athié.

De acordo com uma pesquisa realizada pelo escritório Athié | Wonhrath, com empresas multinacionais e brasileiras, dos mais variados segmentos, 75% das entrevistadas já tinham alguma política de home office antes da pandemia, com cerca de um dia e meio por semana de trabalho longe do escritório. “Agora, as respostas mostram que 95% das empresas irão adotar políticas de trabalho remoto, com uma média em torno de dois dias e meio por semana. Acredito que o home office se mostrou como um modelo que veio para ficar”, comenta.

Por outro lado, o arquiteto tem consultado diversos colaboradores que demonstram vontade de retornar ao escritório. “Eles querem ter a possibilidade do trabalho remoto e a flexibilidade de horários, mas 90% dizem que sentem falta do ambiente de trabalho, de encontrar com os colegas, dos encontros ocasionais que geram inovação. Então, sem dúvida, o escritório nunca vai perder o papel de catalisador da cultura da empresa, da transmissão do conhecimento, do compartilhamento do nosso DNA. Acho até que ele vai se tornar mais importante, porque, já que as empresas adotarão políticas de trabalho remoto, o tempo no escritório tem que ser uma experiência incrível, que realmente faça com que o colaborador queira estar na empresa”, acrescenta Athié, citando que muitas grandes multinacionais de tecnologia do Vale do Silício já haviam tornado seus ambientes de trabalho atrativos para os colaboradores, com uma série de amenidades, muito antes do coronavírus. “Eu acho que isso tende a aumentar um pouco no nosso contexto.”

Além disso, a quarentena obrigou muitas pessoas a reavaliarem o espaço que possuíam em casa, para seu home office. “Tem muita gente que está trabalhando em casa compulsoriamente. Em nossas pesquisas, vemos que os jovens são os que mais sofrem, porque às vezes estão isolados em um apartamento pequeno, trabalhando dez horas por dia em um ambiente que não é adequado. Muitos respondem que preferem voltar para o escritório porque não têm essa estrutura, embora algumas empresas tenham mandado cadeiras ou luminárias de mesa para a casa dos colaboradores, para melhorar os aspectos ergonômicos desses ambientes”, ressalta o arquiteto. Para Athié, há dois tipos de situação: aqueles que se adaptaram bem e gostam do conceito e aqueles que não conseguem ter em suas casas um ambiente ideal para trabalhar de forma concentrada – seja por conta de outros membros da família ou animais de estimação, seja por morarem em locais muito pequenos. “É complicado ficar durante oito horas por dia no sofá ou na cadeira da sala de jantar. Algumas adaptações precisam ser feitas no layout da casa”, completa.

Mesmo com essa migração dos trabalhadores para ambientes digitais e home office, o arquiteto não acredita que a redução do tamanho dos escritórios seja uma tendência pós-pandemia, exceto no caso de perda econômica ou financeira das empresas, que provoque a necessidade de corte de gastos. “De maneira geral, não há um movimento de redução e sim da troca de áreas onde existiam muitas estações de trabalho por espaços com funções alternativas. Acho que um percentual pequeno de empresas vai realmente reduzir a área de escritório. Estou vendo muito mais como uma ressignificação desses espaços”, afirma.

 

fotos: Athié | Wonhrath

 

Neuroarquitetura e automação

Nesta nova realidade, na qual a linha que divide nossas casas do espaço corporativo se tornou muito tênue, a neuroarquitetura é uma tendência que pode ser aplicada para garantir mais qualidade de vida, otimizando o tempo que os colaboradores passam no escritório. Trata-se da neurociência aplicada à arquitetura, com o objetivo de analisar como o ambiente físico impacta o nosso cérebro. “Já temos em nosso quadro uma profissional dessa área e incorporamos o conceito em nossos projetos há muito tempo e com sucesso. Acredito que seja uma tendência, buscar esse bem-estar e essa conexão do ser humano com a memória afetiva. Estudar como as cores interferem, o aspecto sensorial… tudo isso vai ser mais importante dentro desse contexto de que o escritório precisará ser uma experiência incrível. A neuroarquitetura apoia o projeto, para que ele chegue ao ‘estado da arte’ nesse tipo de solução”, conta Athié.

Outra solução que pode trazer mais segurança aos ambientes corporativos, pós-pandemia, é a automação. “Já há estudos de elevadores que você pode acessar do seu celular, embora sejam produtos em desenvolvimento e ainda não disseminados amplamente. No que diz respeito à automação, serão muito importantes os sistemas de reserva remota. Se eu quiser interagir com meu time, posso remotamente ver que tipo de espaço colaborativo vai estar disponível no meu escritório e em que datas, para fazer uma reserva de agenda sem ter que me deslocar até lá. Esse é um aspecto que vai ser melhorado, como também a parte de tecnologia, de reuniões virtuais… Eventualmente, teremos até o monitoramento de espaços, através de sensores, para saber quantas pessoas estão presentes e como elas estão circulando pelo local, além de quais são os ambientes com mais aderência, garantindo que não estejam com um adensamento muito alto de pessoas”, destaca o arquiteto.

 

fotos: Athié | Wonhrath

 

O desafio do distanciamento

Embora diversas empresas estejam procurando o suporte de arquitetos para seu layout pós-isolamento, muitas estão optando por postergar o retorno às atividades presenciais. De acordo com Athié, a maior parte dos gestores estão realmente preocupados com a segurança de seus colaboradores. “Os projetos que temos feito para empresas que vão retornar com grupos pequenos mostram que teremos mais áreas abertas, porque o ambiente fechado é mais propício para a disseminação do vírus”, explica.

Além do afastamento de móveis, para promover o distanciamento mínimo de 1,80 m entre as pessoas, há sinalizações de piso. “A ideia é que haja um fluxo único: você só entra no escritório por um lado e circula apenas em um sentido, de maneira que nunca encontre uma pessoa de frente. Nos prédios, teremos uma escada só para descer e a outra para subir. O maior desafio tem sido a parte de alimentação, porque muitas empresas tinham áreas de café que, se não forem completamente modificadas, não poderão ser utilizadas, pelo menos neste primeiro momento – porque todos os equipamentos possuem botões que precisam ser tocados para interação com a máquina, que é exatamente o que se quer evitar neste momento. Para algumas empresas que estão nos procurando por uma solução mais definitiva, estamos implantando uma lógica onde tudo é touchless.”

 

fotos: Athié | Wonhrath

 

Conforme explica o arquiteto, para as empresas que não têm a possibilidade de adotarem essas soluções em seus espaços de convivência, uma alternativa seria estabelecer turnos diferentes de trabalho, com um grupo trabalhando de manhã e outro à tarde – o que permitiria que todos almoçassem em casa. Isso aumentaria a sensação de segurança dos colaboradores, que também é um fator importante para que eles possam trabalhar com tranquilidade. “Supondo que a gente comece a voltar ainda em junho ou em julho, as pessoas terão medo de estar em restaurantes coletivos, como praças de alimentação em shoppings ou, pior ainda, restaurantes por quilo, em que a comida fica exposta… A ideia é apostar nos espaços abertos, com bastante integração, mas com esse distanciamento que será necessário, pelo menos por um algum tempo.”

Por conta disso, Athié não vê o coworking como uma tendência neste momento, já que são ambientes extremamente coletivos, cujo conceito é justamente fomentar uma integração entre grupos variados. “Os espaços de coworking vão sofrer num primeiro momento, porque as pessoas não irão se sentir seguras compartilhando um ambiente com desconhecidos. É muito diferente você voltar para uma empresa que está adotando procedimentos de segurança, onde todos se conhecem. Eu não acho que o esse modelo vai acabar, só que vai levar mais tempo para retornar. Conduzimos uma pesquisa recentemente com um grupo grande de clientes que têm essa mesma percepção, de que nos dias de hoje eles não se sentiriam confortáveis em mandar seus colaboradores para áreas de coworking, pelo menos até que haja um controle da pandemia.”

Um consenso entre os especialistas é de que a inovação e a capacidade de adaptação serão indispensáveis neste período delicado de retorno ao ambiente corporativo. O conceito de escritório, como conhecíamos, já não se aplica à realidade que estamos vivendo. “É um momento difícil e precisamos apoiar as empresas nessa retomada e readequação dos espaços, para que nossos clientes tomem as melhores decisões neste retorno lento que vai começar a ocorrer”, conclui o arquiteto.

 

fotos: Athié | Wonhrath

 

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