O artista plástico Eduardo Srur fala sobre como a arte é capaz de transformar a paisagem das cidades e provocar reflexões
Eduardo Srur cria sua arte para o mundo, para ser vista. Por isso, escolheu o espaço urbano como tela. Conhecido por instalações que levantam questionamentos sobre as interações do ser humano com o meio ambiente e com a própria cidade, o artista acredita que seu papel é gerar reflexões e impactar o maior número possível de pessoas.
O paulistano Srur se formou na Faculdade de Artes Plásticas da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), período no qual começou a realizar as primeiras exposições com pintura – sua linguagem de formação. Ele mora e trabalha em São Paulo, mas já teve suas obras expostas por todo o Brasil e também foi convidado a expor na França, Suíça, Alemanha, Cuba e Argentina.
As intervenções começaram a fazer parte de suas manifestações artísticas anos 2000. “Eu venci alguns prêmios em museus pelo país e, quando voltei para São Paulo, fiz minha primeira obra em escala urbana: Acampamento dos Anjos, em um hospital abandonado, um verdadeiro esqueleto de concreto, na Avenida Dr. Arnaldo”, conta. “Foi, para mim, uma obra emblemática, um divisor de águas poético e espiritual.”
A partir dessa obra, que brinca com a percepção de anjos acampados em locais suspensos, as intervenções foram tomando conta do universo artístico de Srur. Ele continuou fazendo pinturas, mas em ritmo mais lento, uma vez que seu foco era construir um repertório sólido de arte ao ar livre. “O ateliê começou a ficar apertado para mim e a linguagem da pintura não conseguia atingir tantas pessoas como eu gostaria. Então, olhei para a cidade e acabei entendendo que ela também funcionaria como uma tela em branco, onde eu poderia realizar minhas intervenções.”
O trabalho seguinte de Srur foi ainda mais impactante: Caiaques, uma instalação com dezenas de caiaques tripulados por manequins de plástico, concebidos para ocupar as águas do Rio Pinheiros. “Eu me aproprio desses erros urbanísticos, como o rio poluído, viadutos de concreto, hospital abandonado, para realizar obras que tenham impacto social e que levem a arte para o cotidiano das pessoas. Esse foi meu maior objetivo, quando comecei a fazer intervenções, e continua sendo”, afirma.
Para Srur, simplesmente se tornar um artista e desenvolver seu trabalho na sociedade já é um desafio, porque situações inesperadas acontecem em quase todos os trabalhos. “No caso dos Caiaques, foi desenhada uma composição desses caiaques em uma área de 3 km de rio, mas uma chuva forte arrastou todos eles e formou uma ‘ilha de lixo’ enorme, que remetia ao mapa da América Latina. Foi totalmente ocasional. As toneladas de lixo flutuando sobre a água alteraram a obra”, observa o artista. “Mas o que pode parecer má notícia, nem sempre é, porque o trabalho ficou muito mais potente e simbólico em relação à mensagem que transmitia: sobre um rio contaminado, em uma cidade que não olha para esse espaço – um rio invisível.”
De acordo com o artista, os desafios aparecem em todas as etapas, desde a criação do projeto até o momento de transformá-la em algo viável tecnicamente, materialmente e financeiramente. “Todas as obras têm uma história interessante, no sentido de que cada uma delas tem seu nascimento, vida e transformação. Eu não diria morte, porque há sempre um fio condutor entre os trabalhos. Mas existem diversas questões inerentes à realização de uma intervenção urbana no espaço público; por exemplo, ela será autorizada ou subversiva, sem autorização?”, questiona.
A reação do público, segundo Srur, também cria situações interessantes. “Quando instalei os trampolins nas pontes (na intervenção Trampoline), as pessoas ligavam para a polícia, porque pensavam que os manequins eram suicidas, que queriam pular no rio”, lembra o artista. Uma prova de que a cidade intervém na arte e que todos participam da obra, de certa forma – tanto as pessoas quanto a própria paisagem –, é o fato de que essa intervenção gerou 300 ocorrências no Corpo de Bombeiros, além de inúmeras selfies e posts nas redes sociais. Uma das esculturas chegou a ser atingida por um tiro de revólver e outra teve a cabeça decepada, mas essas interações com o público acabaram sendo incorporadas ao trabalho.
“A interação é uma propriedade natural das intervenções urbanas. O público se interessa e a própria obra também tem movimentos e situações não esperadas, porque ela não está em um espaço condicionado ou controlável”, salienta o artista. “Isso me interessa muito: as transformações que acontecem durante o período expositivo, essa organicidade do trabalho e a dinâmica da cidade, que acaba intervindo nas obras.”
Outros trabalhos de Srur que chamaram a atenção das pessoas nas ruas foram as esculturas em forma de garrafas PETS gigantes, instaladas às margens do Rio Tietê, e sua intervenção que vestiu coletes salva-vidas em monumentos da capital paulista. Ele também suspendeu a réplica de uma carruagem a 30 m de altura na Ponte Estaiada e levou milhares de ratos de borracha para o Vale do Anhangabaú, no centro da cidade. Em paralelo, desenvolveu performances não autorizadas, como A Arte Salva, em frente ao Congresso Nacional, em Brasília, como forma de trazer a arte como uma possibilidade de salvamento, um caminho alternativo para as pessoas.
“Agora, estou focado em uma série de pinturas feitas com fragmentos plásticos (Natureza Plástica). É um processo que começou com muita força na pandemia, já que não havia possibilidade de realizar intervenções nas ruas”, explica Srur. Ele conta que também está em processo de desenvolvimento de outro projeto muito importante, abrangendo três intervenções simultâneas, que será instalado na cidade de São Paulo.
Segundo o artista, sua inspiração vem do cotidiano na cidade e das distorções que vemos na paisagem. “O que me inspira é o que inspiraria qualquer pessoa a fazer alguma transformação no mundo”, diz. Quanto à escolha da cidade como ponto de partida para suas provocações artísticas, Srur justifica: “O espaço público é muito sofrido, muito castigado, na maior parte das grandes metrópoles, mas principalmente em São Paulo. Por isso, além de levar a esses lugares beleza e uma relação estética diferente do que estamos acostumados a enfrentar, a ideia é provocar uma reflexão em milhares de pessoas, durante sua rotina caótica nos centros urbanos.”
Ou seja, ao invés de esperar as pessoas buscarem uma informação artística nos museus e galerias, Srur entrega a arte no dia a dia delas. “Esse diferencial gera uma situação surpresa, ‘um curto-circuito’, e a possibilidade de refletir de maneira diferente”, destaca. Segundo o artista, a obra não precisa estar distante, em um pedestal. “Arte boa é arte para todos. As intervenções urbanas são elaboradas dentro de uma sociedade, para qualquer pessoa. Elas permitem uma acessibilidade, uma aproximação, com todo tipo de público: crianças, intelectuais, homens e mulheres a caminho do trabalho… Há uma expansão da mensagem, de um modo muito amplo. O artista sempre deve estar preocupado em criar uma obra para o próximo, não para si mesmo.”