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A arte do design gastronômico

Chefs de cozinha abraçam conceitos do design na gastronomia

 

A degustação de um prato começa pelos olhos. Por isso, o processo de criação e elaboração de um menu, na gastronomia, deve levar em conta não apenas a harmonização de texturas, cores, contrastes e sabores, como o impacto estético. Para criar verdadeiras obras de arte culinárias, que surpreendem e encantam qualquer pessoa, a cozinha moderna tem usado criatividade e ousadia, além de alguns conceitos do design, que tornam a apresentação dos alimentos um espetáculo à parte.

Antes de conhecer suas aplicações na culinária, é preciso entender para que serve o design. Trata-se de uma área interdisciplinar, que trabalha com a funcionalidade e a estética dos objetos, dando sentido a eles. Seu principal objetivo é trazer soluções inovadoras para as mais diversas necessidades humanas.

 

Design aplicado à comida

No caso da gastronomia (a arte de cozinhar para proporcionar prazer aos que comem), o chamado food design pode ser utilizado na criação de pratos esteticamente desafiadores, na proposta de novas receitas ou de produtos alimentícios pioneiros, além de serviços ou sistemas relacionados à indústria gastronômica. Falar sobre gastronomia abrange ainda aspectos culturais e históricos, como a evolução da comida através dos tempos, as tendências e as influências de grandes chefs.

O conceito de food design pode ser aplicado das mais diversas maneiras em criações gastronômicas, contanto que elas usem o design como parte do processo, para estabelecer novas relações entre as pessoas e os alimentos. Alguns desses usos multidisciplinares incluem apresentações de pratos visualmente inusitados ou experiências com sabores, consistências, texturas, cores e temperaturas. Outras possibilidades são o design de produtos mais saborosos ou sustentáveis, a criação de utensílios que possam inovar processos, ou mesmo o desenho de espaços que potencializem as vivências gastronômicas.

Basicamente, o food design busca ressignificar a relação humana com sua própria cadeia alimentar. Tanto por meio de pratos arranjados para proporcionar prazer estético, quanto na aplicação de tecnologias para criar soluções que melhorem a experiência de consumo e causem menos impacto ambiental. Ou seja, a proposta é encontrar soluções para mudar a forma como lidamos com os alimentos.

O food design ajuda a transformar pratos em verdadeiras obras de arte

 

As origens do food design

Livro ‘Food Designing’, de Martí Guixé

O termo food design surgiu na Europa, no final dos anos 1990. De acordo com a International Food Design Society, essas duas áreas se uniram porque muitos negócios do ramo alimentício costumavam falhar pela simples falta de boas ideias. O design aplicado à gastronomia serve justamente para suprir uma demanda por refeições que possam ser ao mesmo tempo belas, sustentáveis e repletas de significado. Afinal, o que se vende em restaurantes é uma experiência única e memorável, não apenas um produto.

Um grande estudioso do food design é o designer espanhol Martí Guixé (autor de Food Designing, 2010, e Transition Menu, 2013), que pensa nos alimentos como artefatos do design. Segundo ele, a alimentação deixou de ser uma necessidade para se tornar um processo comunicativo e interativo, ou seja, um item de consumo que pode ser projetado. “Muitos dos meus projetos com comida não são comerciais, mas formas de definir novas percepções de um produto”, afirmou o designer.

Entregar beleza e conteúdo, com técnicas inovadoras, não é tarefa das mais fáceis. Na gastronomia, alguns dos pioneiros no uso do design para criar verdadeiras pinturas dentro dos pratos foi o catalão Ferran Adrià, considerado um dos maiores chefs do mundo. O cozinheiro utiliza processos da gastronomia molecular para “brincar” com texturas e aromas, com um estilo que ele mesmo define como tecno-emocional, trazendo soluções inesperadas e surpreendentes – como um croquete líquido ou uma cápsula de café que explode na boca. Seu irmão Albert Adrià seguiu pelo mesmo caminho e hoje se destaca pela criatividade dos pratos apresentados em seu restaurante, na cidade de Barcelona.

A esfera de café do chef Ferran Adrià

Essa ideia de chef alquimista se espalhou pela Europa já nos anos 1970, com o movimento da nouvelle cuisine, originado na França, que teve como um de seus expoentes o minimalista Paul Bocuse. Foi a partir dessas inovações que surgiu a gastronomia molecular, voltada à desconstrução dos ingredientes e à reinvenção das receitas tradicionais. Atualmente, a cozinha moderna já não pode mais se separar do food design, que se tornou disciplina em escolas de gastronomia e orienta a observação de um prato como uma tela em branco, tendo como resultado verdadeiras manifestações artísticas.

Na América Latina, o design gastronômico também tem conquistado adeptos das mais variadas cozinhas. Prova disso é a Rede Latinoamericana de Food Design, assim como o trabalho de chefs como o brasileiro Alex Atala, grande defensor da culinária nacional. O cozinheiro busca valorizar temperos e produtos regionais, enaltecendo a qualidade dos nossos ingredientes. Outra referência na área é o designer gráfico e chef de cozinha Renato Bedore, que vê o food design como uma ação transdisciplinar para a construção e a afirmação de nossas relações com a comida, focando nos alimentos não processados e nos saberes tradicionais.

Os pratos de Alex Atala valorizam o sabor e a beleza de ingredientes brasileiros

Fora do Brasil, nomes de peso como o francês Alain Ducasse (o chef com o maior número de estrelas no Guia Michelin) não dispensa a colaboração com designers para tornar seus pratos inovadores e desafiadores, seja visualmente ou no modo de aproveitar os produtos. Outro francês, o falecido ícone da gastronomia Joël Robuchon, também soube aplicar o design gastronômico para elevar seus pratos ao nível de obras-primas – tanto no que diz respeito ao bom gosto quanto ao sabor. Já o chef inglês Heston Blumenthal preferiu resgatar técnicas medievais da culinária de seu país para “repaginar” receitas tradicionais.

 

Reinventando a gastronomia

Explorar o potencial transformador da gastronomia é um dos objetivos da cozinha moderna, que tende a se exprimir cada vez mais por meio da valorização de produtos, envolvendo todos os sentidos no ato de comer. Nesse contexto, o food design não considera somente a estética (ou o food styling), como todos os processos da experiência gastronômica – desde o cultivo dos alimentos até seu preparo e a maneira de servir.

A ideia é impactar as pessoas com vivências novas e únicas, transformando os ingredientes em formas de expressão e criando uma relação de consumo diferente daquela com a qual estamos acostumados. Assim, além de cozinheiros, os chefs assumem o papel de designers e cientistas. Essa busca por experiências multissensoriais amplia as dimensões e as possibilidades da gastronomia para além do prazer gustativo. É como se o alimento, retrabalhado pelo design gastronômico, pudesse durar para sempre – pelo menos na memória de quem o degusta.

O design gastronômico une estética e funcionalidade

 

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